Esta é uma história real, mas a identidade dos entrevistados foi preservada a pedido deles.
Primeiro foram as mentiras. O Filho queria dinheiro pra fazer compras, a Mãe deu. O Filho disse que não tinha mexido no plano de previdência privada, mas tinha. O Filho pediu pra ela fazer um empréstimo pra aplicar em fundos, a Mãe fez. E ele não aplicou em fundos. O Filho pagava algumas contas de casa e ele nunca tinha atrasado um pagamento, mas agora os boletos se acumulavam intocados em um canto da sala. Tinha alguma coisa errada. O que estava acontecendo?
No entanto, as coisas começaram a desaparecer. O computador que ele tinha comprado com seu próprio dinheiro aos 18 anos. A cadeira de jogos. Dois notebooks. Os 500 dólares que a Mãe guardava para emergências. Eles não eram mais para emergências.
E então veio a verdade. A Mãe já tinha ouvido essas histórias. O filho bem-criado, um menino de berço, que faz amizades erradas, passa a mentir, a manipular e a vender todas as coisas em casa pra sustentar o vício, um vício que ele não aprendeu em casa, mas trouxe pra casa como um vírus silencioso que de repente está engolindo e matando e destruindo tudo ao redor. Ela conhecia essas histórias, mas eram sempre histórias de outras mães e outros filhos. Agora era o Filho dela. Um viciado.
E finalmente veio o medo. O Filho não voltava pra casa bêbado, nem com olhos vermelhos, nem com hálito alcoólico, nem com as roupas defumadas. O Filho dela não usava drogas, não tinha polícia em seu encalço. Ele mal saía de casa. A compulsão se criou nele na frente do computador, durante as madrugadas sem sono, a tela azul de dois monitores refletindo suas pupilas dilatadas pela adrenalina.
O Filho dela tinha hábitos comuns. Ele jogava League of Legends com os amigos. Ele estudava linguagens de programação. E ele gostava de apostar: apostava mais do que devia, tinha ganhado muito, tinha perdido tudo e seguia apostando como se tivesse dinheiro infinito, como se houvesse sempre uma reserva de sorte pra fechar o rombo do azar anterior. E agora ele não sabia mais como parar. Ele disse que precisava de ajuda. A Mãe descobriu que não havia um banco para o qual o Filho não devesse dinheiro.
Até que o interfone tocou. Era o porteiro. “Tem um homem aqui atrás de seu filho.” Ela lembraria das palavras muito tempo depois. “E ele disse que não sai daqui enquanto seu filho não pagar ele.” A Mãe não sabia o que fazer. Que mãe saberia? Ela saiu do apartamento, entrou no elevador, apertou o botão do térreo. Ela queria chorar, mas não podia. Ela não tinha criado um filho praquilo. Um filho que dá calote em agiota.
Enquanto ela tentava encontrar as palavras pra explicar que o Filho não podia pagar o agiota agora, que eles não tinham dinheiro porque o Filho tinha comprometido todo o orçamento familiar com vários empréstimos e mais de R$ 100 mil em dívidas —porque ele era um viciado em apostas esportivas e nem ela nem ninguém soube disso até que já era tarde demais— enquanto ela pensava no que tinha feito de errado e se perguntava se aquele agiota poderia reagir com violência, e se ele saberia de outros dados dela além de seu endereço e seu nome, o elevador desceu, levando com ele a Mãe aflita.
De certa forma, ela nunca mais voltou.
O Filho tem um plano
Muitos anos depois, entre noites mal dormidas e acessos incontroláveis de raiva, a Mãe se lembraria do dia remoto em que perguntou ao Filho o que ele queria ser quando crescesse. Médico? Advogado? Jogador de futebol? Astronauta?
“Quero ser rico”, respondeu o garoto, e a Mãe se orgulhou daquela convicção. Para ser rico era necessário planejamento e responsabilidade. O Filho recebeu lições práticas de educação financeira quando se tornou adolescente. Ele tinha acesso às planilhas nas quais a família controlava os gastos mensais e assumiu a responsabilidade de abrir os boletos, pagá-los e registrar tudo na planilha. Com as senhas do banco dos pais, ele sabia quanto cada um ganhava e pra onde estava indo o orçamento familiar.
Quando entrou na faculdade e conseguiu um estágio no setor de TI de um banco, guardou uma parte de seu salário e aprendeu sobre investimentos. Em casa, contribuía com despesas e ajudava a pagar contas dos avós, que não conseguiam viver apenas da aposentadoria. Até que a pandemia no início de 2020 abalou a renda da Mãe, que tinha uma empresa de consultoria em RH. O banco anunciou que não efetivaria os estagiários, e o Filho soube que perderia a vaga ao fim de seu contrato.
De repente, ele precisava fazer seu dinheiro se multiplicar e rápido. Ele tinha R$ 5 mil parados na conta. “Na poupança, isso não rende nada”, pensou. Um dia, vendo as notícias de seu time em páginas do Instagram, descobriu que era possível ter um rendimento de 50% apostando em jogos de futebol. Aprendeu sobre odds, handicaps, picks, tipsters e todos os termos técnicos. Pagou R$ 300 para entrar em um grupo no Telegram, onde outros garotos como ele trocavam informações sobre apostas. Colocou o resto de sua poupança em um site de apostas.
A estratégia era a seguinte: um especialista do grupo dava seus palpites sobre os vencedores de várias partidas da rodada —ali tinha de tudo, jogos do Campeonato Brasileiro, das ligas europeias e da segunda divisão chinesa. Os participantes do grupo podiam fazer suas próprias apostas, mas seguir as dicas do especialista aumentava as chances de retorno. O Filho montou suas apostas —ou sua “banca”— de acordo com as sugestões. Ganhou algum dinheiro, mas nada que o animasse.
Animados estão os donos de casa de apostas, que se proliferam no Brasil como gafanhotos sobre a lavoura, anteninhas sondando um mercado ainda na primeira infância, sem regulamentação, mas já bilionário. Em dezembro de 2018, no apagar de suas luzes, o governo Michel Temer sancionou a lei que legalizou apostas “de cota fixa”, nas quais o apostador já sabe de antemão quanto ganhará se acertar. A nova lei permitiu a criação de uma enxurrada de sites do tipo. Multinacionais com décadas de atuação no exterior traduziram seus sites para o português brasileiro e passaram a oferecer jogatina em campeonatos nacionais, antes permitidas apenas em loterias administradas pelo Estado.
Em 2019, o mercado movimentou cerca de R$ 1 bilhão. A pandemia do ano seguinte levou parte da humanidade aos hospitais, outra parte aos cemitérios e quem ficou em casa tinha uma nova possibilidade: tentar a sorte. No Brasil, o termo “bet” (aposta, em inglês) explodiu nas buscas do Google a partir de abril de 2020, mesmo com a maioria dos eventos esportivos interrompidos.
Não tem futebol? Você pode palpitar em basquete ou vôlei ou F1. Quando tudo parou, tinham as partidas de videogame —para apostar no resultado, não jogar. E não precisa sair de casa. Você só precisa de um computador ou um celular. E um cartão de crédito (mas aceita-se pix também).
Hoje, essas apostas superam a casa dos R$ 10 bilhões. Uma pesquisa encomendada pelo UOL para entender o comportamento do brasileiro em relação à Copa do Mundo mostrou que o evento deve turbinar a jogatina. Entre as 1.800 pessoas que responderam à pesquisa, 82% responderam que aposta combina com Copa do Mundo. Desse universo, 14% responderam que já apostam dinheiro em eventos esportivos.
Existem mais de 500 de casas de apostas atuando legalmente no Brasil, e o número exato é difícil de quantificar. A lei prevê que a regulamentação do mercado seja feita pelo governo até dezembro de 2022. Enquanto o Ministério da Economia não publica as regras de atuação dos sites, eles seguem normas internacionais. Muitos têm sede em paraísos fiscais para esse tipo de atividade, como Malta, Gibraltar e Curaçao.
A consultoria H2 Gambling Global estima que Bet365, Betsson, Betway, Betano, SportingBet, Betfair, EstrelaBet e suas inúmeras congêneres tenham movimentado cerca de R$ 12,5 bilhões no Brasil só em 2020. Essas empresas entraram no dia a dia de muita gente. Gente comum, que vai e volta do trabalho pensando no que faria no dia em que não precisasse trabalhar, gente que um dia acreditou que o pote de ouro estivesse no fim de um longo arco-íris, e gente que não. Toda essa gente começou a sonhar em tirar para si um naco desses bilhões. Você só precisa de alguns cliques. O que poderia dar errado?
A jornada do Filho mudou no dia 15 de outubro de 2020. Naquela noite, uma quinta-feira, o Flamengo recebeu o Red Bull Bragantino pelo Campeonato Brasileiro. O Filho teve um bom pressentimento. O placar estava 0 a 0 no Maracanã vazio. Ele olhou seu saldo e resolveu colocar R$ 500 num palpite arriscado: apostou que o Bragantino faria o próximo gol. Se o gol seguinte fosse do Flamengo, ele perderia tudo. Se não houvesse gol no jogo, ele perderia tudo. Mas se o gol fosse do Bragantino, ele ganharia R$ 2.000. Ele não sabia de onde tinha vindo aquele pressentimento, mas já estava na hora de entrar de vez naquele esquema, saber se as leis que regiam o universo estavam mesmo do lado dele.
No segundo minuto do segundo tempo, o meia Claudinho avançou sobre a grande área e recebeu um passe da esquerda. Matou a bola com o pé direito, e ela descreveu uma parábola no ar e foi parar exatamente na frente do pé esquerdo, que a encontrou antes que ela tocasse o chão. De lá, ela foi morrer na rede do Flamengo: um chute forte, indefensável, um golaço.
Na zona sul de São Paulo, a centenas de quilômetros do Maracanã, o Filho sorriu quando o dinheiro virtual quadruplicar em sua conta e o milagre da multiplicação da riqueza se operou ali na sua frente, em poucos minutos. Ele só precisou clicar e esperar. O universo estava a seu favor, e agora ele tinha mais de R$ 7 mil na conta. Poderia ter sacado tudo, mas ainda era pouco. Quando você ganha uma aposta, o site te mostra um ícone verde. Ele viu o sinal verde e acelerou. Era isso mesmo o que ele queria?
“Sim, eu quero ser rico.”
O Filho vê o sinal amarelo e acelera
Da casa do Pai no interior de São Paulo, onde morou no começo da pandemia, o Filho começou com jogos de futebol. Quem vai ganhar e quem vai perder e qual será o placar? Quem vai fazer o próximo gol? O jogo terá mais de três gols ou menos? Quantos escanteios e quantos cartões amarelos? E vermelhos? Algumas apostas estavam no território da lógica; outras eram como saber a quantidade de peixes em um lago de águas turvas. Um dia ele apostou R$ 100 em um palpite turbinado. Precisava acertar os vencedores de uma sequência fechada de vinte jogos. Conseguiu 19 acertos, mas na última partida, Bayern de Munique x Um Time Qualquer na Zona do Rebaixamento, ele apostou no Bayern. Deu empate. Se desse vitória do favorito, o Filho ganharia mais de R$ 20 mil. Ficou apenas com a fúria e a frustração.
A compulsão muda tudo. O futebol deixou de ser a fonte de alegria que ele tinha conhecido ainda criança, quando seu pai o levava a Belo Horizonte pra ver o Atlético jogar, quando ele sentia orgulho de ser o único torcedor do Galo na sua escola em São Paulo. O futebol deixou de ser o Ronaldinho Gaúcho driblando toda a defesa do Cruzeiro e tocando no cantinho, o pé do Victor chutando o pênalti pra lateral, a torcida gritando “Eu Acredito” no estádio e ele gritando junto na frente da TV. O futebol passou a ser os números do seu saldo de apostas, as bolinhas verdes e vermelhas que se multiplicavam em sua tela, sua ansiedade ao ver os placares de jogos de times que ele nem sabia que existiam. Até que esse novo futebol deixou de ser suficiente.
O Filho descobriu uma aba no site que dava acesso a outro mundo: as apostas em jogos de futebol no videogame, partidas que envolviam jogadores desconhecidos do leste europeu sobre os quais havia pouca ou nenhuma informação. Os placares costumavam ter mais de três dígitos: 12 a 4, 16 a 9, e a imprevisibilidade era ainda maior. Apostar no “Fifa” era como tentar acertar a quantidade de peixes no oceano ou a quantidade de gotas da chuva, mas foi exatamente o que ele tentou fazer. Era tudo muito rápido, cada partida durava dez minutos, e muito volátil. Ele ganhou R$ 7 mil em duas horas e depois perdeu R$ 10 mil em uma, e seu gráfico de perdas e ganhos descrevia uma montanha-russa vertiginosa. Qualquer pessoa saudável teria parado por aí, mas nessa altura ele já não era mais saudável.
Trancou-se no quarto e aumentou o limite do cartão de crédito. Quando o limite acabou, usou o cartão da Mãe, fez empréstimos no nome do Pai e da namorada. Os boletos chegavam cada vez mais carregados, os juros se acumulavam, enquanto outras coisas em casa começaram a sumir. Vendeu seu computador e o computador da Mãe, pediu dinheiro emprestado a amigos. Pegou os 500 dólares que ela guardava junto com os hidratantes e recorreu a um agiota. A Mãe resolveu confrontá-lo, e ele admitiu que precisava de ajuda. Tinha entrado num labirinto e não sabia como sair. Suas apostas já não estavam rendendo nada e as dívidas só aumentavam. Mas ele precisava fazer uma última tentativa.
Pediu para abrir uma conta em outro banco no nome da Mãe e solicitou um empréstimo de R$ 25 mil para pagar todas as suas dívidas. A Mãe ponderou que aquele valor era muito alto e que os juros fariam a dívida crescer muito em pouco tempo, mas se convenceu da viabilidade do plano, achou que essa era uma estratégia possível para desfazer o erro que ele tinha cometido. O Filho pegou o dinheiro do empréstimo. Abriu o aplicativo no celular.
E colocou tudo em uma conta de apostas.
Os pais tomam uma decisão
Ela nunca vai esquecer daquela semana entre o Natal e o Ano-Novo. A Mãe e o Pai tinham se separado havia muito anos, e muitas palavras duras já tinham sido ditas, mas aquela frase a assombrava desde que ela tinha ouvido. “Você ainda vai buscar esse menino na cadeia”, o Pai tinha dito durante uma discussão. A Mãe começava a ver essa profecia como uma realidade.
Algumas semanas antes, um homem havia entrado em contato pelo Facebook dizendo que o Filho tinha vendido a ele uma placa de computador e nunca tinha entregado. Agora esse homem estava em todas as suas fotos, nas fotos em que estavam marcados seus amigos da igreja, comentando que o Filho era um bandido. Bandido. O peso da palavra no peito.
Quando o Filho contou ao Pai que tinha desenvolvido um vício incontrolável em apostas e que estava com o nome sujo, os dois brigaram, trocaram socos e tiraram sangue um do outro. O Filho disse que odiava o Pai, e o Pai prometeu um tratamento de choque pra tirar o Filho do vício: ele ficaria trancado na casa dele no interior, sem celular e sem computador, sendo vigiado 24 horas por dia.
Três dias antes do Ano-Novo, eles brigaram de novo, socos e pontapés que gestaram nos pais a decisão mais difícil: ligaram para uma clínica e pagaram cerca de R$ 700 para uma ambulância recolher o Filho à força. Dois homens seguraram o rapaz, que se debatia e lutava contra a internação. Só foi contido depois de ser amarrado em uma camisa de força e receber uma injeção de tranquilizante. Na ambulância, ele implorou pra não ser internado.
“Sabe o que vai acontecer? Eu vou me matar e você vai carregar o peso dessa culpa para o resto da vida”, ameaçou o Filho. “Se eu voltar atrás, você nunca mais vai me respeitar”, respondeu o Pai. O Pai não voltou atrás. O Filho passou o Ano-Novo internado. E a Mãe se trancou no quarto e chorou.
Um goleiro perde tudo
Veja o caso do inglês Peter Shilton. O ex-goleiro é recordista de mais jogos sem levar gols em Copas, 10, junto com o francês Fabien Barthez. E está entre os jogadores profissionais que mais perderam dinheiro com apostas. “Eu queria poder dizer quanto eu perdi, mas a verdade é que eu não sei. Deve ficar na casa dos milhões. Os registros de apostas mostram que eu perdi mais de 800 mil libras [R$ 5 milhões no câmbio atual] só pra Betfair”, escreveu ele no livro de memórias “Saved: Overcoming A 45-year Gambling Addiction” (Salvo: Superando 45 Anos de Vício em Apostas, em tradução livre).
Shilton hoje pressiona o parlamento britânico para criar leis que limitem a publicidade de casas de apostas na Premier League. No Brasil, propagandas de bebidas alcoólicas são proibidas em camisas esportivas -no caso de cerveja, é uma recomendação, mas acatada universalmente. Anúncios em TV, só à noite. Mas a publicidade de apostas é liberada.
Hoje, é impossível ver um jogo sem ser impactado por jogos de azar. Todos os times da Série A do Campeonato Brasileiro têm uma casa de apostas como patrocinador. Há anúncios em camisas de times, nas placas ao redor do campo e nos intervalos da programação da TV. Foi a partir de um desses que o Filho entrou no buraco do qual ainda está tentando sair.
Se as empresas investem muito nos clubes e campeonatos, oferecem pouco suporte ao jogador que eventualmente desenvolve um vício. As páginas com dicas de “jogo responsável” ficam escondidas no rodapé, soterradas por uma avalanche de ofertas imperdíveis e bônus de boas-vindas. Para manter a sanidade do jogador, os sites indicam um mecanismo de limitação de perda, que bloqueia os palpites depois que um usuário perde um valor pré-determinado. Mas não há uma linha de telefone para ligar, como acontece nos Estados Unidos ou no Reino Unido, e buscar apoio ou conselhos para jogar menos.
Se um jogador precisa de ajuda, ele pode contar com iniciativas de fora da indústria, como o grupo Jogadores Anônimos, que trata o vício em jogo adotando uma abordagem parecida com a usada por dependentes de drogas. Criado nos anos 50 nos Estados Unidos, o grupo tem sedes no Brasil e promove reuniões presenciais e virtuais, nas quais dependentes e seus familiares compartilham histórias e tentam se manter longe das apostas.
O Filho cai no buraco
Como o Filho não quis buscar a ajuda, a ajuda teve que forçar seu caminho até ele. Foram 30 dias internado, 30 dias sem acesso a celular ou computador, dormindo em um quarto espartano, tendo disponível apenas arroz, feijão e carne. Foram 30 dias de isolamento e 30 dias conversando apenas com outras pessoas que sofriam de outras dependências. Na clínica onde foi internado compulsoriamente, ele era o único viciado em jogo. No começo, achava que não fazia sentido estar ali. Até que foi aceitando.
Quando os pais vieram para buscá-lo no final de janeiro, ele já tinha entendido melhor sua situação e se comprometeu a levar a sério o tratamento. Passou a frequentar as reuniões dos Jogadores Anônimos, cujas salas têm ficado cheias desde que os sites de apostas esportivas se tornaram onipresentes no ecossistema do futebol. Ele parou de apostar e retornou ao emprego que tinha antes da internação. Quitou uma parte da dívida de mais de R$ 100 mil que fez em pouco mais de um ano. Voltou a abraçar os pais e toma remédio para tratar a depressão que se desenvolveu na fase mais aguda, quando ele já não via mais prazer na jogatina, apenas raiva e frustração, e mesmo assim não conseguia parar. Mas confiança é muito fácil de perder e muito difícil de construir. A Mãe não acredita totalmente na promessa do Filho de ficar longe do vício.
Todo dia ela faz tudo igual, e checa com olhos de lince o extrato da conta do Filho, um escrutínio do qual ela não se vê capaz de abrir mão. Instalou no celular dele o aplicativo Qustodio, que monitora os sites que ele visitou e bloqueia tudo que estiver relacionado a apostas. Essa foi uma das dicas que ela recebeu nas reuniões dos Jogadores Anônimos.
O Filho diz com convicção que nunca mais vai gastar dinheiro com apostas: “Percebi que se eu não parasse com isso, minha mãe não ia aguentar. Ela ia morrer”, ele me disse numa manhã recente. Nos conhecemos algumas semanas antes, quando eu estava em uma reunião on-line dos Jogadores Anônimos e perguntei se alguém ali gostaria de contar sua história para uma reportagem que faria sobre o assunto.
O Filho foi o primeiro a se prontificar e pediu para a Mãe entrar em contato comigo. Por medo de ficar marcado pra sempre, ele me pediu para não ter o nome publicado, nem seu rosto mostrado. Dessa história ele guarda sobretudo vergonha, e diz não entender como ficou tanto tempo perdendo dinheiro “igual um idiota”. Mas quis relatar os detalhes