O Brasil está na liderança mundial em número de acessos a sites de apostas esportivas. No ano de 2022, foram registrados 3,19 bilhões de acessos em plataformas desse segmento, de acordo com uma pesquisa realizada pela CupomValido.com.br em colaboração com a empresa de tecnologia SimilarWeb. Em decorrência desse amplo interesse, o governo brasileiro está tomando medidas para regulamentar as apostas esportivas.
“O mundo das apostas, especialmente as esportivas, começou a ganhar destaque nos últimos anos pelas razões erradas. Recentemente, tem-se falado bastante sobre a questão da manipulação de resultados e a CPI relacionada a esse tema. No entanto, a realidade é que esse mundo de jogos já estava em vigor antes de entrar nos holofotes”, explicou Jun Makuta, sócio do TozziniFreire Advogados em entrevista exclusiva ao Decisor Brasil.
A estimativa é que o dinheiro que passa por essas empresas chegue a R$12 bilhões, segundo estudo de Magno José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal.
O estudo elaborado pela Data Hub, plataforma que atua com big data e analytics, o segmento de apostas online avançou 360% no país nos últimos anos. Em 2020, o primeiro ano da análise da Data Hub, 51 empresas foram abertas; em 2021, esse número subiu para 116; e em 2022 atingiram 239.
O levantamento levou em conta a abertura e o fechamento de empresas enquadradas na categoria 9200-3/99 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
“Foi criado um mercado de empresas sérias que atuam globalmente, outras atuam apenas no território nacional, mas também há um limbo de empresas que se utilizam desse mercado de maneira equivocada. O governo atual está tentando corrigir isso, então enviou quase simultaneamente para o congresso uma Medida Provisória, um pouco mais detalhada, e um Projeto de Lei que não era tão detalhado quanto a MP”, disse Caio Loureiro, sócio do TozziniFreire.
A estimativa do governo é que com a regulamentação seja possível arrecadar entre R$2 bilhões e R$6 bilhões por ano através da cobrança de tributos.
Nova Medida Provisória e Projeto de Lei
Na opinião dos especialistas, a quebra em dois textos aparenta estar ocorrendo pelo fato do governo estar apostando no Congresso deixar a Medida Provisória vencer após os 120 dias.
“A expectativa é que as mais de 200 e tantas emendas apresentadas na MP acabem sendo transferidas com algum filtro para o PL. Então, em resumo, temos uma lei que torna lícitas as apostas de cota fixa, mas não tem a regulamentação para que os operadores operem de maneira totalmente regular no Brasil”, explicou Loureiro.
Jun Makuta explicou que tanto a MP quanto o PL não resolvem 100% dos problemas, pois somente trazem um arcabouço mais detalhado que a lei original, enquanto na realidade o processo de outorga e autorização vai ficar somente com o Ministério da Fazenda.
Então mesmo com o PL sendo aprovado, isso não significa que no dia seguinte o Ministério da Fazenda já poderia conceder a autorização, pois o procedimento não é objeto do texto legal, mas sim de uma futura portaria no âmbito do Ministério.
Outro ponto que Makuta aponta é que existe uma falha em relação à criação da secretaria responsável. Na exposição de motivos, fala-se que haverá, entretanto, quando se lê o texto, não há nada sobre isso. Portanto, existem algumas falhas que esperam que sejam ajustadas durante o processo legislativo.
A Medida Provisória também traz um papel de destaque para o Banco Central na questão de controle de fluxo financeiro, onde aponta que somente organizações autorizadas poderão atuar no país, o que resulta em outra discussão sobre o que querem dizer com organizações autorizadas, se são instituições autorizadas pelo Sistema Brasileiro de Pagamento ou se receberão uma autorização especial do BC.
“O Banco Central terá um papel muito importante para controlar os fluxos que saem como apostas e entram como pagamento de prêmios, porque eventualmente pode haver um player que afirme que não quer ter o custo de instalar a operadora no Brasil e apenas queira continuar atuando como off-shore”, explicou Makuta.
Em resumo, ficam definidos os seguintes pontos:
- Menores de 18 anos, pessoas com acesso aos sistemas de loterias de cotas fixas, pessoas que possam influenciar nos jogos (treinadores, dirigentes e atletas), inscritos nos cadastros nacionais de proteção de crédito, e agentes públicos que atuem com fiscalização fiscal ficam proibidos de apostar;
- As operações no território nacional terão uma quantidade ilimitada de licenças;
- Empresas estrangeiras terão a concessão da licença condicionada à abertura de entidade local, pagamento de taxas e o cumprimento de requisitos que serão definidos pelo Ministério da Fazenda;
- Sanções para apostadores não conformes, como a restrição à publicidade e realização de atividades comerciais, suspensão temporária das atividades e multas de até R$2 bilhões;
- Operadores licenciados terão que implementar políticas de compliance e AML que vão de acordo com as diretrizes que serão definidas pelo Ministério da Fazenda, sendo obrigados a fazer relatórios, inclusive sobre manipulação de resultados;
- Serão concedidos amplos direitos de fiscalização ao Ministério da Fazenda, incluindo o acesso a dados e sistema de informação, além de solicitar aos fornecedores de serviços de internet o bloqueio ao acesso de casas não autorizadas;
“A própria Confederação Brasileira de Futebol já possui uma parceria com a Esportes Radar, provavelmente a maior do mundo em termos de software, que controla e detecta fraudes em apostas esportivas em todo o mundo. Portanto, todas as empresas autorizadas terão que estar registradas e aderentes a algum mecanismo ou sociedade de controle”, afirmou Caio Loureiro.
Taxação das apostas
“As grandes casas de apostas têm reclamado do que a mídia chama de taxação, entretanto, não se trata de uma taxação, mas sim de beneficiários sociais. As loterias tradicionais também têm uma parcela da arrecadação que vai para o Ministério X, Y, Z ou para o Fundo Nacional de Segurança Pública”, disse Makuta.
O advogado ainda explica que, mesmo com as cobranças, o Brasil ainda continua sendo um mercado muito grande e com oportunidades. Portanto, mesmo com as altas taxas, as empresas não deixarão de entrar no país, devido ao fato de ser um mercado atrativo.
No caso das apostas esportivas, serão cobrados 18%, distribuídos da seguinte maneira: 10% para a seguridade social; 0,82% para a educação básica; 2,55% para o Fundo Nacional de Segurança Pública; 1,63% para clubes e atletas profissionais; e 3% para o Ministério do Esporte.
Quanto ao prêmio recebido pelo apostador, haverá uma tributação de 30% referente ao imposto de renda, com isenção para ganhos até R$2.112.
“Esperava-se que houvesse um aumento do desconto acima do Gross Gaming Revenue (GGR), que é o produto da arrecadação dos prêmios e onde incidirão esses 18%, que originalmente eram 5%. O mercado já esperava esse aumento, então somente acabou sendo um pouco mais expressivo do que o esperado”, afirmou Caio Loureiro.
Outro ponto que Caio aponta é que no Congresso há uma chance desses valores aumentarem, já que, ao analisar as emendas apresentadas na MP, boa parte propõe um aumento, sendo que algumas sugerem até 60%. Entretanto, mesmo com essas cobranças, a medida de enforcement foi muito comemorada, pois, na opinião do advogado, conversando com as empresas, houve uma grande preocupação com o pós-autorização.
“Muitas das casas de apostas se preocuparam que, mesmo fazendo esses investimentos, passando pela burocracia e sujeitando-se à fiscalização maior, o governo iria dar uma brecha para aqueles que quisessem continuar operando fora do mercado autorizado, e nisso, o MP e o PL avançaram bem”, concluiu Loureiro.
Próximos passos
Com a regularização das casas de apostas esportivas, o próximo passo que terá que ser analisado pelo governo é o fato de que todos os sites de apostas que estão operando em solo brasileiro não possuem apenas as apostas esportivas, mas também possuem o cassino online embutido.
“Se você começou a tributar as apostas esportivas, por que não começaria a fazer isso com os cassinos online também? Então você passará novamente por uma série de discussões e projetos de lei sobre a regularização das apostas como um todo, como cassinos, bingo, carteado, jogo do bicho, enfim, qualquer modalidade de apostas”, apontou Makuta.
Outra discussão de fundo e que, na visão dos advogados, deve se tornar um ponto importante nos próximos anos, é sobre quem pode oferecer loterias no Brasil. Em decretos da década de 50, um dizia que era competência da União e outro do Estado, o que criou uma tese de que somente a União poderia oferecer loterias.
“Os Estados entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal para pedir e obter a interpretação de que, na verdade, a União não tem o monopólio para oferecer os serviços, apenas para legislar. Já sobre a prestação de serviços públicos, seria uma concorrência entre União e Estados. Inclusive, existe um decreto que nunca foi revogado dizendo que os estados poderiam efetivamente oferecer as loterias, e o STF decidiu a favor, quebrando esse monopólio da União”, explicou Loureiro.
Como consequência, a União ficou com o monopólio de legislar sobre as loterias, e o Estado não pode criar novas loterias, mas pode oferecer as mesmas modalidades de loterias que a União regulamenta.
Com isso, alguns estados mais avançados começaram a oferecer o serviço lotérico, por exemplo, Minas Gerais licitou a concessão para loteria convencional e instantânea, a Loterj no Rio de Janeiro foi além e começou a autorizar apostas esportivas com base no que já estava previsto na lei atual e concedeu autorização para 13 empresas.
“Isso gerou uma discussão muito grande, pois cada estado poderia oferecer as modalidades, mas apenas dentro do seu território. No entanto, no mundo virtual, as barreiras não são tão óbvias e fáceis de estabelecer. Por isso, a Loterj construiu o edital de uma maneira que, em tese, quem obtivesse a autorização poderia oferecer para qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.”
O advogado explica que a Caixa Econômica já impugnou esse edital alegando que ele desrespeita até a decisão do Supremo, que ainda mantinha a territorialidade. Portanto, paralelamente a toda essa discussão de regulamentação, haverá uma discussão travada mais no âmbito judiciário do que no legislativo e executivo. Essa discussão não se limitará apenas às apostas esportivas, mas também abrangerá as loterias tradicionais e instantâneas.
“Na MP, não sei se intencionalmente ou não, é possível ver que em algumas passagens existem elementos que favorecem quem obtém a autorização da União. Um exemplo é que, se você não obtiver a autorização do Ministério da Fazenda, não poderá fazer publicidade. Mas alguém pode interpretar: ‘se eu tenho a autorização do Rio, eu posso fazer a publicidade aqui ou não? Se o Rio de Janeiro permitir, estaria infringindo a legislação da União?’”, concluiu Loureiro.